Você pode até não gostar do que vai ler em seguida mas: funk é cultura. E digo o funk carioca, o funk de rua, dos carros e bailes.


Funk é o grito de rebeldia contra todos dentro de um espaço para onde os olhares se convergem com preconceito e desprezo. Funk é a rotina, funk é o normal. Falar de sexo, falar de tráfico, dinheiro (muitas vezes com uma origem ilícita ou no mínimo duvidosa), falar de bebidas e principalmente do baile funk é corriqueiro aos moradores da comunidade cujo funk é o principal ritmo tocado em festas ou até mesmo dentro dos carros e nos celulares.
É normal que seja um ritmo hoje desprezado, visto que o próprio povo que costuma ouvir é desprezado. Você pode aceitar ou não, mas funk já faz parte de nós, brasileiros, seja de forma direta ou apenas passivamente.
Mas recentemente, depois de muitas discussões levantadas em duas principais redes sociais, houve uma certa reflexão coletiva da parte de alguns, em que a conclusão foi de certa maneira interessante.
Para qualquer bom rockeiro que já parou para ler sobre as origens do rock 'n roll, sabe o quanto o início foi difícil. Sabe por exemplo que as letras eram consideradas imorais, que um verso de rock 'n roll antes do fenômeno Elvis Presley era considerada "música de negros", desprezada e tida como imprópria.
Então, se por causa de suas letras o rock era considerado imoral, isso está se repetindo com o funk. E aí você vai dizer: mas o funk faz apologia ao crime. Será que faz?
Você acha mesmo que um cara que mal conseguiu terminar os ensinos mais básicos, uma mulher que desde criança via outras meninas exibindo o corpo e aprendeu que só assim ela conseguirá algo ou alguém por causa do lugar de onde ela é, você acha que eles criariam uma música toda voltada para apoiar o crime? o mesmo crime que estraga a sua comunidade? o crime que gera o preconceito, a revolta, a discriminação, só pra começar.
Uma vez que - por exemplo - dentro de uma comunidade, uma família tem de se sujeitar a tirania de uma milícia e forçadamente rejeitar o seu direito de segurança, assegurado em Constituição, os conceitos mudam. A prioridade de um pai de família passa a ser a de se manterem vivos. Não há dúvidas que diante disso, o funk passa a ser apenas um detalhe dentro do mar de contradições que existe nas comunidades mais pobres. Se você não acha o funk um ritmo digno de respeito, então que pelo menos não o julgue pois este é uma forma de demonstrar o que é viver em uma comunidade. Mesmo que para quem olhe de fora, seja difícil entender.
Ok, mas e a comparação com o Rock 'n Roll do meio do século passado?
Hoje, uma das 35 músicas e versões censuradas do Raul Seixas no período de Ditadura não seriam tidas como imorais ou mesmo como rebeldes. Nem mesmo a rica MPB da abastada classe média alta seria censurada. Mas o funk, que fala de coisas normais a cerca de 70% da população brasileira hoje, é tido como imoral.
A reflexão se faz necessária, e para isto, segue um trecho de uma das melhores letras da nossa rica música:
" Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê Que o novo sempre vem.."
Talvez você não tenha notado que talvez, e bem provável, que é você que não está conseguindo aceitar "que o novo sempre vem", e que você age como seus pais, e os pais deles antes de você e que isso não vai acabar nunca mais. Talvez, seja a hora de quebrar este ciclo vicioso, e deixar de amar o passado, parar de achar que "depois deles não apareceu mais ninguém". Ninguém aqui está querendo convencê-lo a virar um funkeiro e andar como o tal.
Mas o que seria do rock 'n roll, da MPB e de tudo já passado que gostamos se um dia eles não tivessem sido uma novidade bem aceita?
Ou você prefere seguir como tem feitos todos os outros, excluindo e agindo com preconceito, podando o que já se mostra como um possível grito forte de mais da metade do nosso povo?
Link: http://www.vagalume.com.br/elis-regina/como-nossos-pais.html#ixzz36ohOLeQY
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